Nicolás Maduro, presidente da Venezuela. (Foto: Divulgação)
De tempos em tempos no Brasil, de forma muito racional, o tema do Governo Maduro torna-se o centro do debate na imprensa oligopólica e a esquerda brasileira assume de pronto esse debate e aceita, como ponto de partida, o viés dominante nessa imprensa.
Seria instigante se a motivação fosse a busca de paradigmas para a construção de um modelo político de desenvolvimento autônomo para a América Latina, o que incluiria ai as questões de um sistema político radicalmente democrático e inclusivo. Também seria deveras instigante se a pauta estivesse motivada pela utopia da construção de um modelo econômico soberano e igualitarista.
Infelizmente é bem menos complexo e interessante que isto. Quem tem a iniciativa da pauta Venezuela, são, em primeiro lugar, o governo estadunidense de Donald Trump e, em segundo lugar, uma joint-venture entre as petroleiras e os grandes bancos internacionais, que falam através dos governos de centro-direita dos continentes Sul-americano e Europeu. O interesse de mercado e a posição política de defesa de governos não soberanos, faz com que, rapidamente, as grandes empresas de comunicação nos brindem com uma guerra de saturação com adjetivos tipo, ditadura bolivariana, regime chavista ou de Maduro e outras pérolas da política sem constrangimentos.
Esse debate invade as arenas de discussão tidas como de esquerda a partir da iniciativa desses setores, o que os faz, inicialmente, vitoriosos em seus intentos políticos, ao menos na largada.
A Venezuela vive um processo de radicalização da luta política, acentuada, desde o primeiro governo de Hugo Chávez. Este governo e seu sucessor Maduro, assumiram uma pauta de caráter nacionalista e distributivista, no entanto em momento algum a Venezuela, efetivamente, deixou de ser uma economia de mercado, capitalista, e do ponto de vista do sistema político, nunca deixou de ser um regime democrático-formal, muito mais próximo de países europeus do que de modelos tido como de esquerda ou comunistas como de Cuba, por exemplo.
Grande parte daquilo que a literatura liberal consagrou como requisitos de uma democracia, estão presentes na Venezuela, como eleições regulares (no caso, mais frequentes e com maior participação da população do que nos EUA, Chile ou Colômbia, para ficar em alguns casos), imprensa privada e separação de poderes.
Essas críticas ao governo Maduro, que chegam aos extremo ao forjar a ideia da existência de um “regime de Maduro”, não passam de afirmativas de caráter ideológico, que carecem de qualquer confirmação empírica e teórica. Não podemos falar de um regime político próprio na Venezuela, o país é essencialmente democrático-capitalista. Com os limites claros e, talvez, insuperáveis, próprios da democracia liberal. Em uma economia de mercado, nenhum sistema político democrático será capaz de superar as desigualdades, o que cria um obstáculo à ideia radical de democracia, ou seja aquela que estabeleceria a igualdade absoluta.
A Venezuela, fez uma opção para enfrentar a reação conservadora às políticas de distribuição de renda e de autonomia nacional, bastante diferente em relação ao Brasil. Se lá, por conta do quadro político local, a resposta à reação foi sempre a da mobilização da população, principalmente através da convocação frequente de eleições para verificar a opinião da população para legitimar ou interromper os mandatos, no Brasil foi a opção elitista pela interrupção parlamentar, antidemocrática, de um mandato soberano, que imperou. Nem Brasil, tampouco a Venezuela, efetivamente consolidaram sistemas profundamente democráticos, ambos são situações onde a democracia é sempre tutelada. Ainda assim, o quadro brasileiro é ainda mais precário que o Venezuelano, no que diz respeito aos requisitos de um regime democrático.
Assim, nem podemos tratar os governos Chávez e Maduro como paradigmas de um novo modelo para a esquerda latino-americana, pois não apresentam as estratégias e políticas de transição para um novo modo de produção, tampouco aceitar a tese de que são governos autoritários que “diminuíram” a democracia na Venezuela. Dois argumentos muito presentes no debate político mas que não respondem à descrição do que realmente ocorre naquele país.
Neste sentido e nestes limites, a defesa da posse do Maduro não é, por si, uma adesão ao seu governo, mas uma defesa de conceitos e princípios. O reconhecimento da legitimidade do Governo Maduro como um governo ungido pela soberania do voto popular é, portanto, um imperativo categórico da defesa de dois elementos claros, porém insustentáveis para o pensamento liberal e a economia neoliberal, a democracia e a soberania, tanto nacional quanto popular.
* Publicado originalmente no Sul 21.
Edição: Marco Weissheimer
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