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Trocar Bolsonaro por Mourão não resolve


Foto: Alessandro Dantas/Fotos Públicas


As dificuldades de Jair Bolsonaro em garantir as condições fundamentais para a aprovação das reformas de caráter neoliberal estão erodindo os apoios que teve entre as frações dirigentes do capital financeiro. As perspectivas de crescimento econômico começam a desmoronar. Dos imaginados 2,5% de crescimento do PIB, as vozes do rentismo já fazem projeção de crescimento de 1, 5% em viés de queda. Considerando a indigência dos investimentos públicos e a alta do desemprego, o Brasil mergulha de cabeça em uma profunda recessão.


A reação do governo Bolsonaro a este quadro é meramente vocativa, acentuando seu perfil neofascista. Busca mobilizar a vanguarda de sua base de apoio com vitimização e o aprofundamento dos apelos ideológicos, como o ataque à universidade brasileira que é, centralmente, um ataque ao pensamento crítico.


Essa tática vocativa, de convocação à vanguarda neofascista com base nos valores e pré-noções retrógrados e conservadores, não parece ser suficiente para manter seu pacto com a fração rentista do capital nacional, fração hegemônica e dirigente do bloco capitalista no país.


As dificuldades do governo Bolsonaro em estabilizar uma maioria no Congresso crescem na medida que sua popularidade cai e cresce a resistência de rua. Este quadro fica agravado pela profunda fragmentação desta maioria parlamentar e seu perfil “lúmpen-conservador”.

Essa convergência de fatores gera a incerteza de que as reformas serão levadas a cabo e pode corroer os vínculos entre o capital e Bolsonaro.


As possibilidades de avanço desse ‘descasamento” crescem na medida em que a recessão avance e cresçam as dificuldades em efetivar as reformas neoliberais, antidireitos sociais.

Esse desenlace é tão mais plausível, politicamente, na medida em que se reconheçam a incongruência entre democracia e as classes dominantes capitalistas em um país periférico como o Brasil, o que empurrou o Brasil ao caminho da desdemocratização, desde o golpe do impeachment sem causa de 2016.


As classes dominantes brasileiras não têm apreço ideológico à democracia e às ideias a ela presumidas, tais como igualdade e justiça. Como em 1961-1964, o golpe de 2016-2018, independente de forma, foi uma estratégia de contenção do crescimento dos direitos sociais e da representação política da classe trabalhadora.


A democracia, ainda que tenha sido vista como um promessa de igualdade pelos trabalhadores, é tratada como hipótese tática pelos setores capitalistas. Tornou-se útil para superar a estagnação e perda de capacidade dirigente do regime autoritário de 1964 e inconveniente na crise econômica desta década, frente ao crescimento, insuportável em qualquer medida, do bolo de recursos abocanhado pelos trabalhadores e mais pobres.

O fato é que, no dilema entre acumulação e legitimação, a elite econômica prefere a primeira. Sumindo a “gordura” de recursos que permitia a política de “ganha-ganha”, da primeira década deste século, as classes dominantes optaram por romper o pacto da Constituição de 1988 e quebrar a maioria, se não a totalidade, dos direitos sociais e econômicos conquistado no período. E como fazê-lo sem quebrar também parte significativa dos direitos políticos?


E assim tem sido desde o farsesco impeachment sem causa, da discricionariedade do sistema de justiça que não julga a todos da mesma forma, de eleições restritas e condicionadas pelo mesmo sistema de justiça, pelo oligopólio de comunicação, pelo papel criminoso de caixa 2 e “fake news’ e, sabemos agora, milícias paramilitares organizadas.

O Brasil vive um acelerado processo de desdemocratização que o rebaixa da condição de um democracia formal de baixa intensidade para uma democracia quase sem forma. Nas palavras do professor Luis Felipe Miguel (2019) “a desdemocratização que vivemos não é um acaso, um azar, uma turbulência do momento – é um projeto. É o projeto das classes dominantes na atual quadra histórica. Visa anular o quadro de imprevisibilidade que a democracia, mesmo que limitada, introduz na reprodução da dominação”.


Neste contexto político e econômico e com essa cultura política autoritária hegemônica, não podemos ser surpreendidos com um novo processo de ruptura, seja pela renúncia do atual presidente seja por um processo parlamentar-jurídico de impeachment movido pela fração dirigente das classes dominantes.


A disposição de eliminar os direitos dos trabalhadores e dos mais pobres, demonstra que essa fração dirigente não quer reconstruir o pacto de convivência da Constituição de 1988, que teve seu momento mais aprofundado nos governos lulistas com os programas de renda mínima, crescimento do salário mínimo, investimentos em infraestrutura e ampliação de políticas sociais.


Portanto, a simples instalação de um processo formal de impeachment ao modo 2016, nada significará em termos de barrar esse modelo de espoliação da renda do trabalho. Mourão está mais para Temer do que para Itamar.


A crise somente pode ser superada como uma política antineoliberal, de retomada do investimento e da capacidade de consumo dos trabalhadores. A economia cresce com mais direitos, mais emprego e mais investimentos públicos.


Isto somente será possível com uma inflexão forte nos rumos da política. A substituição de Bolsonaro, seja sua necessidade causada pelo golpismo das classes dominantes ou pela perda de sustentação popular, deve se dar através da reconvocação à soberania popular, com a convocação de eleições, conforme a Constituição Federal. Mecanismo mais adequado para uma democracia em naufrágio.


* Publicado originalmente no Sul 21.

Edição: Marco Weissheimer

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