Foto: Guilherme Santos/Sul21
“O fascismo ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: “Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!” Infelizmente a vida não é tão simples assim! O fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo.” Umberto Eco
O deputado federal Jean Wyllys comunicou em nota ao seu partido, PSOL, que renuncia ao seu novo mandato em função da “preservação’ de sua vida e a de sua família. Após um longo período de ameaças, Jean Wyllys renunciou ao futuro mandado e, com isto, como um estrondo, denuncia a violência política e ideológica no Brasil.
Minha reação instantânea, ao tomar conhecimento do fato, foi de desalento, de desamparo. Assim como no caso do assassinato de Marielle Franco, é mais um dos “nossos” que se vai. Nosso aqui, não diz respeito a partidos, diz respeito a um sentido de “nossos” como humanidade, de pertencimento à condição ética do humanismo, como quem se identifica com a utopia da justiça, da paz, da igualdade, da rejeição à violência e às segregações.
Assim como em relação à morte de Marielle, as causas que levaram à renúncia de Jean parecem matar nossa liberdade aos poucos.
A utopia da liberdade, que somente é possível realizar sob a justiça e a igualdade, é o verdadeiro alvo desse novo fascismo. As ameaças e os tiros desferidos, são a ação de recusa à modernidade que iguala os seres humanos. Uma defesa e um culto à tradição cujo sentido é conservar os privilégios e a desigualdade.
O fascismo não usa crachá. Ele emerge no seio das classes médias, entorpecidas com frustração decorrente da diminuição da distância em relação aos pobres, no que diz respeito aos direitos fundamentais e a cidadania que, no curso da história, a ferro e fogo, os pobres vem conquistando. A identidade para o fascismo é sempre negativa, é formada pela conspiração e pela construção do inimigo. O inimigo desse fascismo é a igualdade. Os que expressam, portanto, diversidade e modernidade são os alvos “táticos” do fascismo, mas seu verdadeiro objetivo é eliminar a liberdade e a igualdade.
O fascismo atual anda à paisana, não marcha de camisa preta, caqui ou verde. Surge no fundamentalismo religioso, no culto ao passado, na bravata da guerra, na apologia da pátria. Despreza a cultura, a ideia de nação, a democracia, a ideia de paz e, principalmente, a ideia de liberdade. Tanto a liberdade social, construída no combate às desigualdades, quanto a liberdade individual, exercida através da diversidade e pluralidade.
A exclusão desse inimigo se torna uma missão para o fascismo. Deste conjunto obscuro de rejeições à ação violenta é um passo, uma questão de iniciativa e de organização. A iniciativa está ancorada no empoderamento destas ideias retrógradas e intolerantes em curso no Brasil, na América Latina e no mundo, organização vem de sua fusão com as milícias do crime organizado e esquadrões da morte.
Os atos violentos e criminosos que vitimaram, de formas diferentes, Marielle e Jean, agride também a liberdade de cada um. É uma vendeta contra quem professa a igualdade e a tolerância mas é, antes de tudo, uma tentativa de negação da liberdade de propor um mundo novo.
É preciso reagir à essa violência do fascismo com sua denúncia. A forma mais efetiva de resistir à essa tentativa de assassinato da liberdade é exercer a própria liberdade.
* Publicado originalmente no Sul 21.
Edição: Marco Weissheimer
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