A luta contra o negacionismo de Bolsonaro e da extrema direita de conjunto é uma luta imperativa.
"Governo federal direcionou um serviço de denúncias sobre crimes contra os direitos humanos, inclusive para mulheres vítimas de violência, em canal para aqueles que se transformaram em ativistas antivacinas" - Foto: Assessoria de comunicação Arez - RN
Nesta semana fomos informados que o governo federal direcionou um serviço de denúncias sobre crimes contra os direitos humanos, inclusive para mulheres vítimas de violência, em canal para aqueles que se transformaram em ativistas antivacinas. Segundo o site Poder 360, o Ministério da Cidadania e da Família “afirmou que não se opõe à vacinação, mas defende a “liberdade individual” de decidir sobre a imunização”.
A matéria vai além e demonstra que a posição do ministério é de busca ativa por denunciantes sobre a vacina. Diz a matéria que o governo federal considera que a obrigatoriedade da vacinação é inconstitucional. Trata-se de uma postura ofensiva de combate à campanha de vacinação.
No fundamental, é a continuidade, em nova etapa, da mesma postura negacionista que, liderado pelo próprio Jair Bolsonaro, o governo expressou durante todo a pandemia e que teve consequências fatais diretas. O negacionismo deu base política para as desastrosas medidas e gestões do Ministério da Saúde.
O negacionismo, contudo, por mais que pareça absurdo – afinal como se opor à ciência e à saúde? – possui uma racionalidade objetiva e por ela o governo Bolsonaro e os agentes do bolsonarismo terão que ser julgados política e juridicamente. Uma dessas objetividades foi revelada pela CPI do Senado Federal que tratou da pandemia. A Comissão revelou que a rejeição à vacina estava relacionada à velha prática de oferecer dificuldades para vender facilidades. A obstaculização à aprovação das diferentes vacinas anti Covid era, em verdade, uma forma de posicionar agentes do governo em boas condições para exigir propinas para compras de vacinas. A racionalidade da corrupção que se vitaminou após a farsa da operação Lava Jato.
A outra racionalidade é a que dá base ideológica à negação como programa político. A negação assumiu uma certa dimensão de princípio político e tornou-se base de aglutinação e uniformização da ascendente extrema direita no país e no mundo. A negação à ciência se associa a negação às ideias iluministas e coletivistas. A negação como princípio permitiu que o fundamentalismo religioso e seu pensamento mágico convergisse com fascistas de diferentes tipologias para refutar ideias igualitaristas, o que deu base para uma atualização do tradicional anticomunismo da direita. O antipetismo, a antidemocracia, a refutação à organização sindical, aos direitos sociais e à educação emancipadora se ‘costurou” com o mais comezinho neoliberalismo para formar um combo perfeito: expropriação de direitos sociais e privatização selvagem com sustentação ideológica e política no senso comum.
A direita torna mais nítida sua dimensão e retórica reacionária. A negação à modernidade é a negação ao protagonismo das massas trabalhadoras e sua organização constituídas no processo de desenvolvimento do capitalismo e seu rompimento com o servilismo. A modernidade conferiu escala e tecnologia à expropriação dos trabalhadores e, paradoxalmente, os reuniu em grandes cidades, sindicatos, partidos de esquerda, associações de interesse, movimentos por direitos. Uma espécie de efeito colateral indesejado pelas classes dominantes e o empresariado.
À essa capacidade potencial revolucionária das classes trabalhadoras que a extrema direita reage, buscando obstruir o desenvolvimento da racionalidade. Trata-se de uma prestação de serviços objetiva para os poderosos. Em “Guerra pela eternidade”[1] Benjamim Teitelbaum classifica como tradicionalismo essa base antirracional e antimoderna que baseia a ascensão da direita no mundo.
"A luta contra o negacionismo de Bolsonaro e da extrema direita de conjunto é uma luta imperativa"
A luta contra o negacionismo de Bolsonaro e da extrema direita de conjunto é uma luta imperativa, portanto. Não se trata de disputa eleitoral apenas, este é um campo fundamental para derrotá-los evidentemente, mas o combate ao negacionismo e à extrema direita é um combate por defender condições, como a democracia, a educação pública e universal, os direitos trabalhistas, o sistema de saúde pública, que permitam que haja em um futuro próximo uma nova onda progressiva, civilizatória, que ponha por terra o próprio neoliberalismo.
[1] TEITELBAUM, Benjamim. Guerra pela eternidade. Campinas: Editora da Unicamp, 2020..
* Publicado originalmente no Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko
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